"A profundeza abissal da palavra declamada
ecoa nítida na linguagem abstrata
das mãos (gestos prontos),
e o atrito dos dias confunde as cicatrizes do tempo,
derramado sobre a mesa o poema
ignora nas pálpebras o pesadelo do sonho"

(Júlio Rodrigues Correia)





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25 de mai. de 2010

PEDRAS AZUIS


PEDRAS AZUIS

A minha atitude incompreensiva de viver
Está no inconformismo da banalidade do outro
Porque ter crido no outro que não reza na mesma língua
A não ser o terço do desejo; o meu, acrescido de amor

Estavas tão longe na minha memória
Resgatei prodigiosa a nossa estória
Tão languida, com rosas, perfumes
Mas a intervenção da maldade, da posse arrebatadora
Perdemos-nos nos fios dos anos e descemos ladeiras
E lá nos buscamos sem nome e sem rosto

Subimos escadas em piedade aos demais, aos outros
Esquecemos de nós mesmos tantas vezes
Prosseguimos as missões das espirais dos sonhos
Andei sobre pedras azuis de veludo macio
Sobre as pontas das estrelas em fogo
Ilesos pés meus para continuação da vida

Porque me procuraste se ainda estavas amedrontado
Pela faca do poder, da posse insana,
do receio que ainda detinha-lhe?
Não havia nada para recomeçar uma linda estória
Um pobre Cavaleiro sem espada, preso a Louca
Se a outra lenda o fazia refém com seus próprios erros

Não podias enxergar meus seios como outrora
Para me morder outra vez a carne de meu coração
Não tinhas o direito de atravessar o longe, sem norte
adentrou a minha casa sem licença, desmedida invasão
insultos ao âmago do mais nobre sentimento

Não sabias a razão do querer absoluto de minhas entranhas
Apossando-se dos meus contados dias onde eu estava em alegria
O sofrimento ali já era o bastante
reconstrução pedra sobre pedra
Das desilusões reerguendo minha casa forte

Não deveria haver o uso de mim para doentio poder
Para o domínio do sozinho e da mente desesperada
Do gerar sobrevivência com suor alheio, uma Soberba
Para sanar as delícias de se achar vencedora
Não pelo amor por amor, mas sim escravizá-lo

Sinto raiva, muita raiva por amá-lo
Um ódio do próprio amor que estava no limbo
Havia já uma viuvez tamanha dentro de mim
Seguir no ostracismo e no convívio do laço em família
na crença de um bom destino, sem mais ferir-me

Julga-se ser um condenado, olhas para trás de si
Seus erros foram chegar na hora errada,
Nos caminhos de outras vidas como sombra
ainda estavas frágil, em caos banal
Julga-se um errante, um prejudicado eterno
Creio no abuso desmedido dos loucos à sua alma

Não sabes o que é abortar, morrer em sonhos
E seguir a estrada sólida e intocável
Lutar aos arrepios dos seios, pontas dos pés
Cabeça erguida, hoje, um coração de volta a dor
E sorriso nos lábios, olhos fixos no amanhã

Indagar a distancia, sentir raiva, muita raiva
ódio desse meu coração que você ainda sobrevive
A evolução é presente e se cumpre nas burras
pés sobre o fogo nessa inquietude de amor
Porque as pedras são azuis em veludo macio
E no caminho é preciso sempre mãos vazias



Cíntia Thomé









Imagem: Antonio Peticov - telas/ acrilica 2010

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