"A profundeza abissal da palavra declamada
ecoa nítida na linguagem abstrata
das mãos (gestos prontos),
e o atrito dos dias confunde as cicatrizes do tempo,
derramado sobre a mesa o poema
ignora nas pálpebras o pesadelo do sonho"

(Júlio Rodrigues Correia)





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20 de jan. de 2010

POEMA SUJO



POEMA SUJO

Um balaio de sementes carregaria
Colheria trigo se não fosse
Profética e em exaltação
A maneira dos andantes
Conduzirem o arado a facão
Com atitudes vadias
Não havendo tanta morte
das estrelas todos os dias
Quebrando cascas duras
ceifando floradas rosadas

Na caminhada, nas vielas
Nas ruas, as pedras
As ladeiras escorregadias
Subir descer soleiras
Chorar e sorrir no mesmo dia
Noites inteiras em quedas
Em luas partidas, quebras

Hóstias e as videiras
Caroços, aneurismas de vinho
sangue disparando tempestades
repentinas dores nos caminhos
Das despedidas, dos passos
dos abismos das calçadas
passando enxurradas
As horas levando embora

Todo viver pela arte agiganta
Cada esperança, mas rápida sem resgate
Até a secura da garganta
Ao último soluço das bolhas
Deixando no ralo areia, sujeira
Concreto coração esgotado

Deserto, alucinações em sóis
A carne decomposta
A magreza dos sonhos exposta
em alguma mesa ou cadeira
um braço estendido, socorro escondido
o copo vazio sujo
como pouca lenha
crepitando vagarosa na lareira
à beira de certo poema de amor
das cidades





Cíntia Thomé





Imagem Escultura Rodin

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