"A profundeza abissal da palavra declamada
ecoa nítida na linguagem abstrata
das mãos (gestos prontos),
e o atrito dos dias confunde as cicatrizes do tempo,
derramado sobre a mesa o poema
ignora nas pálpebras o pesadelo do sonho"

(Júlio Rodrigues Correia)





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2 de dez. de 2007

LEMBRANÇAS DESFEITAS





Foto dedicada a mim


LEMBRANÇAS DESFEITAS


Pedaço velho cansado
Rachaduras na alma
Descascada derme, ranhuras decadentes
Perfila imagens das escórias que pertenço
Morada empoeirada, sujas vidraças
Com olhos foscos nublados
Onde os sonhos são passageiras nuvens
Deixando-me apenas charco e gelada carne
Neste outono que perco
Mais algumas folhas grudadas nas paredes
Não as tenho para agarrar e pedir socorro
Comer de suas raízes um tanto mais
Recorro ao passado
Mas sou eu apenas que sobrevivo
E não posso tirar a limpo essa estória
Remover camadas, caiar em cores pardas
A peste do tempo já não tem tanta memória
Das lindas serenatas, dos amores seresteiros
Abro-me, pois meu cadeado pede
Carinho do vento na face
Mesmo que venha violento e quebre o cristal
Não posso fechar-me, pois estou às vistas
Sem eira, sem beira, tri eiras
Caído beiral
Lembranças desfeitas saltaram de mim
Racho sozinha, sem pouso dos pássaros
Neste outono enfastiado
Nesta cor morta, pálida, trigueira
Que da massa, do pão já não cresce
Murcha, fria, fatigada e fatiada
Nem meus fantasmas voam para deliciarem-se
Farelos fadados de vida
E sem sal

Cintia Thomé

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