"A profundeza abissal da palavra declamada
ecoa nítida na linguagem abstrata
das mãos (gestos prontos),
e o atrito dos dias confunde as cicatrizes do tempo,
derramado sobre a mesa o poema
ignora nas pálpebras o pesadelo do sonho"

(Júlio Rodrigues Correia)





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27 de out. de 2007

PAGADOR DE PROMESSAS IMPOSSÍVEIS


PAGADOR DE PROMESSAS IMPOSSÍVEIS



Como posso entrar na tua casa
Chorar meus rosários
Ajoelhar-me diante de ti?
Como posso entrar na tua casa
Onde incineraram corpos
Como o meu que arde aqui?
Como posso entrar na tua casa?
Procuro amor, redenção
Não o fogo que te corroeu
As labaredas das vaidades
O brilho do ouro que não é teu
Brilho das lágrimas dos pedintes
Com palavras mal-ditas e malditas
Como posso entrar na tua casa?
Que nem hebraico ou grego sabes?
Como posso entrar na tua casa
Se não tenho nada a dar
Só a pedir a quem não habita aqui?
Como posso?
Se sou palmeira curvada,
Se tenho os pés descalços
Raízes e dedos em pura terra
E sou franciscana ou causa impossível?
Como posso
Se já subi e desci escadas
Carregando apenas o jegue
Como cruz às minhas costas?
Como posso pagar a você que não existe?
Paguei o que custei a mim mesma
Nos cartões picotados
Nos de plástico partidos
Na solidão cruel, meu dedo sem anel
Na parte da filha carne rósea e devorada de mim!
Ah! Meu filho que cedo partiu!
Agora, “sem um puto”!
Aquele puto que veneras tanto!


Ah! Tentações do Diabo
Oh! Casa do Senhor, onde estás?
Como posso
Entregar a minha vida
Se apenas tenho um pobre jegue
Gordo e fétido puxado por mim
Ou eu puxada por ele?
Ah! Cruz das cruzes!
O pecado foi amar a ganância
Na minha ignorância de crer nos homens
Arrogância do semelhante
Nos versículos que não são desta boca podre?
Como posso entrar aqui?
Se as palavras dos homens imolaram-me?
Todos os gritos da minha boca cerrada
Como posso entrar aqui?
O meu estandarte é a vela que queima os pecados
Círios, lanternas dos sóis da minha vida!
Cuspiram, escarraram no meu mundo
Tão sonhador e criança...
Como posso entrar aqui?
Habitante patético,
Devorador de criancinhas, do apagar das velas
Vendeu-me apagada, lucro banal!
Surreal e animal!
Como posso?
Se é proibido sentar com meu irmão
De todas as etnias do Universo?
Como posso acreditar no vendedor de ilusões
Que marketeia a obra de caridade
Da Irmandade? Ou castidade?
Se não tem caridade do pobre que mendiga na descida...
Sou palmeira e as andorinhas gorjeiam,
Gorjeiam lá e não cá
Farrapos, estrumes que o irmão amaldiçoa
Escória de tua obra ao mundo
Mundo só dele e que late e todos tem medo
Ladrão e a lança surripiando inocências
Como posso entrar nesta casa?
Que apenas tem um aveludado tapete
Onde a sujeira escondida em dourada bata
Escorre no ralo ao rato Inferno do escolhido
Do semelhante mascarado, que diz impropérios
Na negra e falsa oração,
Cão show-man?
Vinde a mim! Vinde a mim!
Falso! Mentiroso iconoclasta!
Irei, mas não aqui
E não deixarei aqui a minha cruz
As beatas com ligas e lingeries
Irão adorar o Rei mais e mais
Véus negros nos pensamentos
Sobre as cabeças vazias e fálicas
Odeiam a maltrapilha veste de mim
Do Cristo e dos Cristos
Que sabem e tudo vêem
Multidão! Não serei apedrejado e palhaço
Não serei eu a dizer o fim o ocaso
Não serei apontado, esquartejado
Não serei o único
Não serei gozo, repúdio e ridicularizado
Serei a palmeira imperial
E em mim amarrarei meu jegue
Curvar-me-ei com a minha cruz
Na revolta de Deus
E terei as andorinhas que gorjeiam
Como coroa de louros
E espinhos em lágrimas
Vinde a mim!
Estarei lá com o vento na face
Curvado e ajoelhado
Com meu jegue beijando a Terra
Frente Luz!
Ah! Deus! Sombra minha!


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Cíntia Thomé




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