"A profundeza abissal da palavra declamada
ecoa nítida na linguagem abstrata
das mãos (gestos prontos),
e o atrito dos dias confunde as cicatrizes do tempo,
derramado sobre a mesa o poema
ignora nas pálpebras o pesadelo do sonho"

(Júlio Rodrigues Correia)





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20 de dez. de 2007

EXISTÊNCIA INTEIRA




EXISTÊNCIA INTEIRA

A mulher
A Europa inteira
Sem muros altos
Na brisa do vento
Sem mais nem por que...
Berço verdejante
Terra aguada, mas que nada!
Em vaso de barro escarlate
Ninfeta, menina exubera
Num mundo de vermes e nefastos
Infantes de plástico estufados fálicos
Nos cafés de Paris e no baixo Leblon
Nos subúrbios e casas de luxo
Crescer e morrer, replantar semear
Degolada em fio da faca humana
Decepada, podada no sorriso da maldade
Asfixiada no caldo negro da injustiça
Cuspe da falsidade no rosto da verdade
Fazendo marolas e a barca se perde
Sei lá pra onde em arbustos seculares
Castelos de bonecos fantoches reis
Na Europa inteira e nas montanhas
No vôo da águia que cisca o pão alheio
E no arrulhar da paz da pomba na janela
A merda cai ao chão dos idiotas e desatentos
Squares espelhadas invernais
Orvalho em gelo cristal
Entre os muros altos do vaso
Excrementos, esterco, saliva quente
Rachado. Crescem raízes
De querer ter um amigo
"I've Got A Friend"
Agarra ávida à vida às ruas
Na elegância principesca entre pubs e cigarros
No jazz e suingue da Lousiana submersa
Jornais de ontem descansam no banco
E o velho dormindo ao olhar as letras
Pequenas mas enormes de sangue
Na subway um rosto a mais
Com medo, com a verdade e desconhecido
Rasteja nas paralelas em luzes neon a liberdade
Sonhando no mundo de Montechios e Capuletos
Nua a gritar panfletos, panfletários vãos
Nos primeiros de maio pelo Vietnã em Paz
Cavalos de fogo abrasivo à pele
E os "Deuses são astronautas"?
Nos idos da Gazeta e White House...
No silêncio da guarda besta em telefones vermelhos
Villages sedentárias em bay windows com branco pó gélido
Mistura-se em balde, lixo a dignidade
À lama dos afogados castelos
Perdendo a existência patética e circense
Na caatinga sertaneja, apenas uma gota
A lágrima
Por vergonha do mundo em desperdício
Queda do muro de Berlim
Saltar do Grand-Canyon
Do Empire ou Copan?
Frágil velha ninfeta em chinelos
Na brisa do vento dos outonos
Sem mais nem por que...
E um barquinho a navegar...
Sobras de pele dobram em veios de luta
De tentar chegar o tempo
Das projeções que fez guerreando
Em areia, asfalto, flor e possível amor...
Roubam-lhe a honra, as horas e minutos
No Big Ben ou Wall Street
Na sombra da figueira sagrada
Sem a lumiere da Eiffel,
Galhos metálicos retorcidos tombam
Morre em espuma...
Ferve podre uma maçã
Uma Europa inteira, a Terra
Uma inteira mulher
Derrete em flor de plástico

Sem mais nem por que...

Cíntia Thomé


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