"A profundeza abissal da palavra declamada
ecoa nítida na linguagem abstrata
das mãos (gestos prontos),
e o atrito dos dias confunde as cicatrizes do tempo,
derramado sobre a mesa o poema
ignora nas pálpebras o pesadelo do sonho"

(Júlio Rodrigues Correia)





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16 de set. de 2007

AQUARELA DE VAN GOGH




AQUARELA DE VAN GOGH


Cortei as unhas
Pra não arranhar tua incompetência
Cortei os cabelos
Pra não surrar-me no teu pecado
Imolação na tua covardia
Pintei-me de vermelho
Para não amar a tua falta de vergonha
Pintei-me de amarelo
Para adoecer a tua maldade
Pintei-me de roxo
Pra odiar a tua vaidade
Cortei as mãos
Para não poetar o teu fim
Raspei os pelos
Para não eriçar tua podre carne
Estanquei a ferida maldita
Para não sangrar o teu mau caráter
Furei meus olhos
Para não chorar tua imagem
Cortei os dedos
Para não apontar teus defeitos
Cortei as orelhas
Para não escutar teu adeus
Cortei minha língua
Para não cantar a dor que me causou
Arranquei meus pés
Para não chutar tua alma
Rasguei minhas roupas
Para ficar nua frente à tua pobreza
Arranquei meu coração
Para perpetuar a tua culpa
Lavei meu corpo
Para limpar a raiva de tua soberba
Pintei-me de pálido branco
Para você morrer em paz dentro de mim
Agora... O que quero de mim?
Renascer transparente
Sem teu amor dentro de mim
Sem teu ódio dentro de mim
Sem ter que matar-me...
Tantas vezes...


Cíntia Thomé

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