"A profundeza abissal da palavra declamada
ecoa nítida na linguagem abstrata
das mãos (gestos prontos),
e o atrito dos dias confunde as cicatrizes do tempo,
derramado sobre a mesa o poema
ignora nas pálpebras o pesadelo do sonho"

(Júlio Rodrigues Correia)





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20 de jun. de 2011

CÍRCULOS DE SEDA DA ALMA


Em círculos de seda
Voando pelos madrigais
Em pas-de-deux
A alma está tão certa e reta
Como o piano e suas teclas
A olhar o céu do teto e sentir
A música indo embora transparente

A luz transpassa o azul marinho
Há um defloramento sem dor
Um estupro no pensar em amor
Uma mesmice de olhar pelas paredes
Escorrendo menstruadas as horas
Até amanhecer

Tudo debruçado na janela
Numa paisagem quieta, estranha
Ardendo-me silenciosa as entranhas
Esperas ressonantes
A um pássaro azul posar
Em joelhos implorar migalhas
A esse amor abandonado

Atravessar juntos o infinito
Do corpo da borboleta
Desvendar o mistério de sua fome
Por mel, por beijar a frágil flor
O ritual de sua dança, sua gracilidade
O porquê de ter asas como arcanjos
Satisfeita e plena lisérgica
vai dar sorte a outro lugar

Há de haver um ponto final
Seja no chão de arrastados passos
Flutuando ou não em melodiosa tristeza
Seja na livre escolha de ser louca de amor
Possuída pelo corpo que sinto, mas distante
Aquele que julga ser um dos aventurados
por seus deuses dos deuses, quimera

Há de renascer lírio ou lua
A buscar, transcendendo seu brilho
Dos olhos marejados, sem culpa
Dos reflexos em mares e rios
Uma ciranda de humildade e prazer
Sempre o querer, a vontade de ser feliz

Todo o verbo maior
Definido no leve tocar dos sinos
De coração para coração
Certeza do navio ao porto
Atracando ao ponto de chegada, a canção
Nunca mais será partida,
a vã e cruel despedida
No píer a mão dizendo adeus
Não, não!
Assim estarei aqui para sempre...
Em círculos de seda
Em pas-de-deux





Cíntia Thomé












Imagem: Olhares

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