"A profundeza abissal da palavra declamada
ecoa nítida na linguagem abstrata
das mãos (gestos prontos),
e o atrito dos dias confunde as cicatrizes do tempo,
derramado sobre a mesa o poema
ignora nas pálpebras o pesadelo do sonho"

(Júlio Rodrigues Correia)





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17 de abr. de 2010

canção de luz


Vem, resgata o tempo
Coloca a mão em meu ventre
Expurguei você na tristeza
Por direito de adormecer em esquecimento
Para os cavalos das posses transitórias
Passarem, passarem... Queimados estão
Estarão aos gritos em pecado animal
guerras do próprio mal

Aproxime-se cheio de sangue
Com a mesma cara de feto, o início
Do olho no olho, Amor
Da mesma cor tão vermelha
Venha à terra que chegaste
Como primeiro viajante
Não a poeira que te comeu os pés
a cruel e vã centelha

Ressurja verde com seus lírios
Seu sorriso branco cheio da inocência
Entre seus olhos pequenos
O terceiro olho que rege o destino
Sua brisa moldando meu rosto risonho

Amor como quiser chegue
Reparta o coração desse peito
Latejante, soluço da alma
Suje de sangue, sangre derrame
A entrada da vida... de todas as coxas

Rasgue em gozos fálicos
Tudo que assim sou feita
Entre as chorosas gotas
Do suor de uma vida plena conduzida
E tantas idas, a uma seca ferida

Deixe queimar, morrer seus garfos
Que te feriram e que vieram a ferir-te
Não há mais poda, nem navalha suicida
O passado foi ilusão canalha, falha
O poder da soberba desvairado oxida

Há o jogo das flores aqui
Dentro da seiva líquida,
das veias encharcadas de mar
dentro de mim, descuidado jardim
Ao relento, ao suave vento
De minha pele na sua, o amar
Roce a minha rama à sua asa
Dê arrepios, dance em mim
Mate todas as desgraças que tens

Venha à graça, a revolução
A manifestação do encontro sem palavra
Aquela canção de luz sem fim, evolução
Quando voas farfalhando suas asas
No céu de todas as minhas bocas

Assim seria o direito, a plenitude
De meu corpo, essa cidade
Cansada, caiada de fantasmas
Explodindo jardins azuis em régia flor
à quase face fria, uma parede d’água
Da lágrima amiúde

Rompa os meus e seus muros
Traga delírios, rebrotem lírios assim
Só nossos círios da paz
Da verdade humana, flamantes urros
Da verdade sem condenação
De existir sem nada atrás
Sem a lambida fúria serpenteando
A maldade torpe
E nossos corpos em chamas
Transmutando desejo

O Amor maior, nossa cama
sem nada atrás
Só nossos círios da paz
E a dança...
e tudo que é mais


Cíntia Thomé









Imagem: Fotógrafa Mariah - Lisboa - Portugal

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